terça-feira, 4 de agosto de 2009

VIVA! O presidente Morreu!

As notícias de comoção social, que extrapolam e dominam o consciente coletivo, sempre me interessaram. Lágrimas de anônimos sobre os túmulos de personalidades; coroas de flores jogadas a esmo; desfile em carro aberto dos bombeiros (que espetáculo!); entrevistas com parentes pobres e distantes e aquele bando de curiosos em volta do caixão; quem não se comove?

Remeto a minha lembrança a 21 de abril de 1985 quando o então, vencedor das eleições presidenciais, Tancredo Neves, morreu.

A notícia precedeu os afazeres do “Lar 6”, às 5 da manhã. Estávamos arrumando as dezenas de camas quando o Seu Ademir, com seu inseparável porrete de cabo de enxada, anunciou em bom tom que, naquele dia, as atividades estavam canceladas. – “O presidente morreu!” – bradou o velho carrasco com sua voz “vampiresca”.

Luto oficial na nação! Nada de enxadas; nada de colheita no milharal; nada de estábulo, galinheiro, pocilga; nada de pomar; nada de limpeza no salão; nada de nada e sem nada pra fazer.

Alegria total. Afinal, não é todo dia que morre um presidente da república! Até então, foram semanas e mais semanas no humilhante trabalho na lavoura. Merecíamos o “dia do nada”.

Enfileirados, partimos do “danitório” (era dormitório que o Xexéu queria dizer) e dirigimos ao refeitório (refeitório o Xexéu falava direitinho). Momento raro: a televisão ligada às 5 e meia da manhã. O dia inteiro ali, na frente da telinha acompanhando o qüiproquó do enterro presidencial. Manhã inteira; bunda quadrada – o banco era desconfortável; almoço: jatobás (o cozinheiro também ficou em casa acompanhando o enterro); à tarde, mais televisão, mais bunda quadrada e mais jatobás no jantar.

Aquele, sim, foi um dia ímpar. Na hora de dormir, vislumbrados pelo enterro, muitos internos ficaram com medo do fantasma do presidente. Luzes apagadas; vigilante como cão de guarda pra lá e pra cá; pra lá e pra cá; e o meu sono vindo devagarzinho. Feliz dormiria, naquele dia, com o grande sonho de ver outro presidente morto na próxima semana.

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OBS: Na Unidade Educacional U.E. 4, da Febem, os pavilhões recebiam a denominação de “lar”. A U. E. 4, no complexo de Batatais, os “lares” iam do pavilhão 1 (lar 1) ao pavilhão 11 (lar 11). Texto publicado originalmente no livro Guerreiros Urbanos - a trajetória de um egresso da Febem e a sua escolha entre a violência e o teatro, de Asdrúbal Serrano, editora Expressão e Arte, 2007.

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