segunda-feira, 6 de julho de 2009

Perifa: preconceito e exclusão na metrópole

Cena Única
...
O escritório de uma empresa compõe o ambiente dramático. Em cena, João Batista, um segurança negro está de braços cruzados. Entra Tonico.

TONICO – Bom dia! Tenho hora marcada com ... (apanha um papel amassado no bolso) - ... Dr. Antônio Carlos Boleros.

JOÃO BATISTA – Pela vaga de emprego?

TONICO – Serviços gerais!

JOÃO BATISTA (apontando) – Vá até o final deste corredor, vire a direita, depois à direita novamente, desça cinco lances de escada e, finalmente dobre a direita. A sala do doutor é a terceira à direita depois do extintor.

TONICO – Não seria mais fácil pegar o elevador?

O segurança não responde. Tonico dá algumas voltas pelo palco até chegar à sala do recrutador, na outra extremidade do palco. Tonico bate à porta.

ANTÔNIO – Entra!

TONICO (ofegante pelo cansaço) – Bom dia, senhor. Sou Tonico, falei com o senhor agora a pouco por telefone.

Antônio olha Tonico de cima para baixo e não responde.

ANTÔNIO – O senhor não me disse ao telefone que era ne...

TONICO – Como?

ANTÔNIO (desvencilhando-se) - Trouxe o currículo?

TONICO – Está aqui, doutor!

Antônio pega, enojado, o currículo de Tonico.

ANTÔNIO – Hum! Cidade Tiradentes.

TONICO – É um pouquinho longe, mas tenho disposição...

ANTÔNIO (com ironia) – Fundão da zona leste, abismo do medo!

TONICO – O que disse doutor?

ANTÔNIO – Aguarde um minuto, vou pedir para que sirvam-lhe um café!

Antônio se levanta, simula tomar um elevador e se dirige ao segurança João Batista.

ANTÔNIO – Como foi que você deixou aquele meliante de camisa listrada e “bombeta” entrar?

JOÃO BATISTA – Ele veio atrás do emprego.

ANTÔNIO – Além de ser pretinho, você viu como está vestido? Olha o currículo do marginal... Ele é da quebrada da Cidade Tiradentes, abismo do medo! É contratar este bandido e, na primeira semana ele arruma uns comparsas e assalta a empresa! Você sabe das orientações, não pode deixar gente suspeita entrar na empresa...

Antônio retira-se, retorna ao elevador imaginário e caminha até a sua sala.

ANTÔNIO – Serviram-lhe o café?

TONICO – Não senhor...

ANTÔNIO – Estou cercado de gente incompetente. (dobra o currículo e o devolve para Tonico) – Sr. Tonico, infelizmente a vaga já foi preenchida.

TONICO – Mas o senhor me disse no telefone das oito vagas e que eu poderia começar ainda hoje.

ANTÔNIO – Desculpe, mas eu me equivoquei...

TONICO – Eu peguei dinheiro emprestado só pra vinda. O senhor disse que hoje mesmo eu receberia o vale-transporte. Eu não tenho dinheiro pra voltar pra casa.

Antônio faz uma cara de desdém.

TONICO – O senhor pode ao menos ficar com o currículo, caso abra outra vaga.

Antônio, enojado, apanha novamente o currículo e o joga sobre a mesa. Tonico sai cabisbaixo. Apanha um telefone e disca um número.

ANTÔNIO – Alô! É da Zap - mão de obra terceirizada? Poderia falar com o senhor Pedro Martins? Pedrão! Aqui é o Antônio Carlos Boleros. Rapaz, não consigo preencher oito vagas disponíveis para o cargo de ajudante geral. Seleciona alguns candidatos e mande pra gente. Ah! Vê se nõa manda pessoas escurinhas, mal vestidas e que more nas quebradas da cidade. O máximo é uma condução que pagamos. (pausa) – Isso, salário mínimo e uma cesta básica. Está bem? Até mais.

Antônio pega o currículo, rasga-o e joga no lixo. Desce o pano.